Nelore Brasil comemora três décadas

CAROLINA RODRIGUES

Um evento diferente das edições anteriores. As¬sim pode ser definido o 241° Seminário da Associação Nacional de Criadores e Pesquisadores (ANCP), realizado dia l 1 de maio, na sede do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em Ribeirão Preto, SP Diferente não apenas pelo local escolhido para sua realização, mas pelo tom emotivo, de retrospectiva histórica.

Em 2018, o Programa de Melhoramento Genético da Raça Nelore (PMGRN), mais conhecido como Programa Nelore Brasil, completa 30 anos de existência. Era natural que o seminário realizado anualmente pela ANCP comemorasse esse feito. Dentre os mais de 300 participantes do evento, vários eram figuras emblemáticas do melhoramento genético, homenageados por sua contribuição à entidade e ao PMGRN, cuja trajetória se confunde com a evolução da raça Nelore no Pais.

Criado oficialmente em 1988, o programa começou a engatinhar já em 1968, quando o pioneiro Arnaldo Zancaner, de Guararapes, SP, substituiu o empirismo do olhar pela objetividade da balança na seleção de Nelore, sob orientação do professor Warwick Kerr, do Departamento de Genética da LISP À frente de seu tempo, Zancaner participou efetivamente do lançamento do PMGRN, ao lado dos criadores Cláudio Sabino de Carvalho e Newton Araújo. Com eles, o programa deu seus primeiros passos, inovando no uso de métricas genéticas, como o perímetro escrotal, para identificação de animais mais produtivos, férteis e precoces. '50 PMGRN sempre foi visionário", salientou Eliane Vianna da Costa e Silva, professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul durante o evento, citando, como exemplo, ganhos obtidos hoje, com avaliação testicular, no rebanho da empresa Genética Aditiva, do MS, que tem identificado machos púberes aos 10 meses de idade, produzindo sêmen apto para congelamento. "Evidentemente, as tecnologias mensuráveis evoluíram, mas tudo começou lá atrás, com ações de vanguarda como essa", assegurou.



Longa Caminhada

Com mais de 3,1 milhões de animais em sua base de dados, o programa contabiliza 9,5 milhões de peqngens, 2 milhões de medições de perímetro escrutai, 140.000 análises de ultrassom e 28 sumários em três décadas.
Começou com 15 criatorios associados e hoje reúne 300. O direcionamento de suas avaliações para produtividade, já em 1990 levou à criação da fórmula de "fertilidade real", que nasceu de urna demanda de Cláudio Sabino. Ele queria identificar dentro de seu plantel, mantido na Chácara Navirai, em Uberaba, MG, aquelas matrizes que desmamavam bezerros mais pesados nas condições de criação extensiva, para replicar essa genética.

O cálculo do índice inédito, que também visava á redução do intervalo entre partos, era feito intra-rebanho, usando-se uma metodologia chamada "modelo touro", que considerava apenas informações genéticas do progenitor. Logo, porém, o programa evoluiu para o uso do "modelo animal", que considera tanto as relações de parentesco quanto os dados individuais dos bovinos avaliados. Isso possibilitou a elaboração das primeiras DEPs (diferença esperada na progênie), já em 1991 Raysildo Lóbo, presidente da ANCP, lembra que, até essa época, havia forte influência do poder nos criatórios associados, mas com o tempo estes foram se abrindo à seleção para outros quesitos essenciais ao melhoramento do Nelore.

Em 1994, foram realizadas as primeiras análises de ultrassonografia em animais do programa e, em 1995, foi publicado o primeiro sumário da raça, com dados de 27 rebanhos para sete características, sendo seis de crescimento e uma de fertilidade. "Muita gente à época achava que era impossível selecionar para fertilidade, mas aos poucos os criadores passaram a passaram a buscar animais mais equilibrados. Era preciso re-produzir a idade ao abate, fazer as fêmeas parir mais cedo. Começamos a discutir outras variáveis no programa Foi assim que surgiu nossa primeira versão do Mérito Gené­tico Total (MT) e seus percentis, hoje, popularmente conhecidos pela sigla TOP %", conta Lõbo.

A intenção inicial, segundo ele, era facilitar a inter­pretação dos dados do sumário pelos pecuaristas, que, no final de 1999, já ganhavam um novo pacote" de DEPs ligadas à reprodução e à precocidade sexual, como a Idade ao Primeiro Parto (DIPP), o Período de Gestação (PG), o Peso ao Nascer (PN) e a Produtividade Acumu­lada (PACA Um dos produtores que mais apostou nesse tipo de seleção foi Luciano Borges, do Rancho da Mati­nha, propriedade mineira que serviu de laboratório para os primeiros testes com fêmeas precoces, inicialmente com resultados pífios (8%). Hoje, o criatório obtém qua­se 90% de prenhez em fêmeas de 10-14 meses "Exis­tiam alguns mitos, o maior deles era que o Nelore iria encabritar", lembra Lõbo. Além de pouco precoce, o Ne­lore também apresentava problemas de reconcepção. "Naquela época pouco se falava em aporte nutricional e bom manejo de pasto. O índice de prenhez em primipa­ras era baixo", diz.

Eficiência reprodutiva

Datam do inicio dos anos 2000 os avanços nessa área. Em 2003, a ANCP lançou a "famosa" Staya-bilit, que mede a contribuição produtiva de uma vaca para o rebanho Fernando Baldi, pesquisador da Unesp/Campus Jaboticabal, SP, e parceiro da ANCP há longo tempo, admite que, embora o conceito exista há 15 anos, demorou para ser assimilado pelos produtores.

Normalmente, acredita-se que urna vaca deve permanecer no rebanho até completar seis anos de idade e nele deixar pelo menos três crias, mas estudo recente da ANCP mostrou que essa produção é baixa. Com uma redução de 12 meses na idade ao primeiro parto, considerando-se a primeira parição aos 36 meses (hoje a média dos plantéis da ANCP), a matriz Nelore pode produzir quatro crias em seis anos, gerando renda adicional de R$ 1.110.

Em um plantel de 1.000 matrizes, o produtor faturaria R$ 1,1 milhão a mais. "Parindo aos 48 meses, urna fêmea somente cobre o investimento feito pelo produtor em sua criação/manutenção a partir da terceira cria; isso se ela produzir bezerros com a qualidade exigida pelo mercado", pondera Baldi.

Devido à sua importância, a Stayability passou a responder por 22% do MGTe (Mérito Genético To-tal econômico), ficando atrás apenas do peso aos 450 dias, que contribui com 24%„ porque essa característica indica o potencial genético do reprodutor para gerar progénies mais pesadas ao abate, garantindo ao pecuarista melhor resultado financeiro. A precocidade sexual da fêmea, avaliada pela Stayability e pela Probabilidade de Parto Precoce, incorporadas ao programa em 2006, representam 31% do índice bioeconômico da raça Nelore, formato que vem dando certo, segundo a média observada.

Atualmente, a idade ao primeiro parto das fazendas associadas é de 37 meses, ante 48-54 meses de rebanhos pouco melhorados. O peso à desmama é de 180 Kg aos 210 dias de vida, ante a média nacional de 120 Kg. "Avançamos muito na raça Nelore, mas precisamos continuar buscando mais precocidade e qualidade de carne, características que constituem o maior desafio dos programas de melhoramento neste século 21", dispara Raysildo Lôbo.

Novo padrão de carcaça

Esse caminho começou e ser trilhado ainda em 2001, quando a ANCP estipulou um novo padrão de avaliação de carcaça com o auxilio do ultrassom, para obter medidas de espessura de gordura e área de olho de lombo. Até aquele momento, os criadores utilizavam, como medida "universal", as avaliações visuais, que estimavam valores para essas características, porém, sem uma análise objetiva das informações.

As primeiras DEPs nessa área foram lançadas em 2003, quando o Nelore já começava a caminhar para a demanda por maior rendimento no frigorífico. Foi assinado um convênio com a empresa goiana Aval Serviços Tecnológicos, que, junto com a ANCP, desenvolveu um protocolo para definir a idade adequada para coleta das imagens, seu grau de precisão e os critérios para avaliação qualitativa das leituras feitas pelos técnicos.

"Usamos esses dados para maior embasamento da seleção. Os avanços ao longo do tempo nos permitiram chegar onde estamos", diz o presidente da ANCP Desde 2011, o programa faz seleção assistida pela genômica para características de difícil mensurarão, como as relacionadas à carne e à carcaça, processo que evoluiu em 2014, quando foram lançadas efetivamente as primeiras DEPs genômicas para a raça Nelore em parceria com o Clarifide, da norte-americana Zoetis. Essa tecnologia, segundo Raysildo, aumenta a confiabilidade das informações, imprimindo maior velocidade ao melhoramento genético. A acurácia das predições saltou de 40% para 70% nos tourinhos jovens, permitindo avanços em características até então ini-magináveis para o Nelore.

A mais recente conquista do programa foram as DEPs de maciez da carne e eficiência alimentar, lançadas durante a ExpoGenética, em agosto do ano passado, em parceria com a Embrapa Cerrados, que cedeu à ANCP fenótipos de um longa pesquisa envolvendo maciez. Muito em breve, a entidade deverá anunciar avaliações para características de carne e carcaça mensuradas após o abate, um projeto embrionário para validar as DEPs genômicas também no gancho do frigorifico. "Se eu dissesse a qualquer selecionador da década de 1990 que um dia venderíamos animais pelas DEPs, ele provavelmente daria risada. Hoje, eu afirmo que daqui a alguns anos (poucos, aliás) venderemos touros por sua capacidade de gerar animais de carne macia, que comem menos, mas engordam mais no confinamento", prevê Lôbo, olhando para o futuro da raça, que passa, segundo ele, pela percepção de maior qualidade da carne por parte do consumidor e peio maior rendimento na indústria.